dezembro 30, 2009

A estação

Vejo o assento vazio da estação,
E o silêncio reverberando dos cantos!
Em todos os olhos vejo tímidos prantos,
Em todas as faces vejo só lamentação.

Passam-se vagões, vários e tantos...
Ouço o ferro em brasa fervilhar,
Sinto o vento quente a brilhar...
Vejo os altares, mas não os santos.

Sento-me, e sinto perder a esperança!
Vão-se vagões, e outros estão a chegar.
Fico olhando aquela pobre e meiga dança,

Dos vagões que vão e deixam-se ficar,
Porém nenhum deles se me alcança...
Por que não vejo ninguém desembarcar.

novembro 27, 2009

Ninguém

Quando de amor perdi o alento,
e vaguei o fado sem caução,
desencontrei-me até da ilusão
de fazer-me, enfim, em portento.

Porém, ouvi triste o pranto,
que em fogo nos olhos se fazia;
Recordei-me o amor que jazia
enterrado na letra do acalanto.

Enquanto o ardor bravo crescia,
aos poucos, leve e tanto
desencantei-me até do acalanto,

e deixei-me à triste fantasia:
De viver contente - em pranto,
sem amar ninguém, e ninguém portanto.

novembro 22, 2009

Razão

Engenho meu traidor tornou-se,
e sucumbiu ao mal do amor!
Fez-se das sensações amador,
enquanto do amor razão logrou-se.

Mal maior a emoção não trouxe,
senão esta de queimar-me em mil,
bramindo o coração - já ardil -,
em negar-se razão, que negou-se.

Razão de encanto tardia e vil,
emoções de coração cadente;
Eis que o amor jamais sucumbiu

aos desenganos da razão prudente,
e quanto mais razão se ouviu,
mais emoção se teve por confidente.

novembro 18, 2009

Ilusão

Ah! como amei-na no aguaceiro,
deixando ser - feliz e então -
cada gotícula na precipitação
para gozá-la só e por inteiro.

Ah! como era bom amá-la, senão
nas suas entranhas, seu cheiro.
Senti-la, num ardor verdadeiro,
deixar-se amar, a cada paixão.

Amei-na somente e desatento;
qui-la como a luz ao lampião,
de tal modo, e a contento,

que vaguei-me, sem precaução,
e tive-na - por um momento -
em meu doce sonho de ilusão.

outubro 19, 2009

eu?

Queres saber quem eu sou?
Eu sou um destemido trovão
ecoando na turva imensidão,
que ninguém viu, ninguém notou.

Sou a ira nascida da cinza;
O pó de vento, a ventania...
Aquele a qual ninguém via
deslizar no dia ranzinza.

Sou escravo do casto engano,
a terra em sua vasta camada;
Aquele que vê em todo plano;

E, apesar de aparentar vessada,
sou pântano no universo de pano;
Onde tudo é renda, e sou eu nada.

setembro 22, 2009

O tolo

Julgo por tolo, nessa esteira,
aquele que lhe fez deixar.
Senão isso, hei-de acreditar,
que a morte lhe fez solteira.

Pois no mundo não há disparate,
que maior se faça em dimensão,
a este do mais infeliz truão
que resolveu abandonar-te.

Hei pensando nas coisas mundo,
nas ondas belicosas do mar,
e neste belo olhar teu profundo.

Só não me calha, inda, imaginar,
a má-sorte do triste moribundo
Que deixou-te um dia escapar.

setembro 19, 2009

Confissão íntima II

Amo-te, bem meu que ausente vaga,
e, no caminho que oculta percorre,
há lagos que de minha face corre,
há prados que minh'alma afaga.

Pelo caminho por onde se olvida,
deixei meu pensamento guardado,
e em cada sebe que há no prado,
fiz um verso com gota perdida.

Ficaram em cada árvore esculpidos,
Uns tristíssimos cantos de âmbar,
e reflexos d'uns beijos caídos,

Qual guardei, junto em meu sonhar,
para dar aos teus lábios puídos,
assim, amor meu, que lhe encontrar.

setembro 10, 2009

Confissão íntima I

Inda verei, no entardecer da mente,
uns vãos pensamentos, um sonho vão,
dizerem-me, em silenciosa erupção,
que do riso triste fez-se o contente.

Quando em triste fado vive e sente,
ama e chora, queima e se contenta,
perde-se numas esquinas e lamenta,
o bem perdido que se faz ausente;

E tem-se o bem, que n'alma vagueia,
que é puríssimo verso de saudade
esculpidos no semblante da areia;

Por que no olhar vago e penitente,
só se vê, como candura e fieldade,
amor para com ela, e a ela somente.

agosto 14, 2009

Sina

Sabereis que tua duríssima sina,
constante exata da equação amor,
não obstrui a ânsia de lutador
que vinga a espada clandestina.

Consome-se, pois, a alma na rotina,
mas não deixa-se perder, o perdedor.
E como cansa o peixe ao pescador
cansa a vida a quem não obstina.

Triunfará sobre o destino sem detê-lo,
Se buscardes, sem medo, a vitória,
erguendo o semblante para a punição.

E se os passáros voam, sem sabê-lo,
eis que podereis viver na justa glória
se dispuserdes a fazê-lo com devoção.

julho 05, 2009

Engano

Tenras flores do casto engano,
Que assolaram o bem que mo continha!
A vós não sabida é a ventura minha:
Se viver ditoso, se viver ufano.

Nos eflúvios que se me estranho,
verte um delírio de inconstância,
adonde me aproxima a distância,
do afastado bem-viver que acompanho.

Bem do meu viver é tolerância!
Que mal algum, que se me atente,
alcança o céu meu de inconstância!

E viver-se neste jardim latente,
é buscar no engano a pura ânsia
De no mal comum viver contente.

julho 02, 2009

Evolução.

Eis que o mundo disse: evolução!
Ao tempo em que seres devassos
surgiram marcando seus passos,
lamentando a falsa explicação.

Eis que são árvores infrutíferas!
Humanos, demasiado humanos...
para suportarem aos ufanos
anseios das jornadas letíferas.

Crianças acéfalas! Da sapiência
esquecidas, cujo saber escuro
trouxe-lhes ao mar de ausência

Onde criou-se-lhes um vasto muro,
de falsas idéias, falsa permanência
aparente passado, ilusório futuro.

junho 04, 2009

O canto

Quando de vosso vôo contente,
Admirava do céu a tristeza,
vislumbrei um balé de beleza,
Onde dançavas solitariamente.

Quietei-me, ausentando-me de mim!
Ouvi calado o vosso canto!
Cá me perdia em casto pranto,
ao ver tão majestoso querubim.

Deixar-me-ia morrer no enxergar,
pois de beleza o mundo há suprido,
(já que nenhum protesto fora ouvido)
só por estar no céu a bailar.

Dançaste por dias, e encantei-me!
Bebi das pávidas noites serenas!
Comi da terra as luas pequenas;
Dormir solitário, e mirrei-me.

Ao bramir do sol, deleitei-me,
Com a alvura do céu a brilhar;
Do pássaro o canto fiz copiar,
e, sem medo ao céu, entreguei-me.

Estando lá o pássaro fiz encontrar;
apaixonado por teu canto de prece,
raptei-lho para que comigo fizesse
da terra o mais sublimável par.

Afastei-lho de seu ninho alado;
Aprisionado, já não mais cantava;
enquanto minha pobre dor aumentava,
Chorava aos cantos desafinado.

Libertar-nos-ia no libertar;
Qual canto de glória ao céu,
que corre o horizonte infiel,
e sente, mas não pode escutar.

Fi-lo da terra o ser mais infeliz;
Já que nem de tristeza cantava;
não sorria, não comia, não piava!
tampouco haveria de ser joliz.

O lindo querubim as asas pendeu,
e com elas se foram o doce canto!
Das pétalas celestes ficou pranto
de uma sina de silêncio sandeu.

Quando o perecimento já abatia,
um sopro do céu veio a libertar,
e às almas muito enfermas curar,
do mal que há muito lhes curtia.

Da prisão o querubim se libertou;
Verteu-se no céu e pôs-se a cantar,
reanimou-se-lhe e dançou no luar
enquanto piava, como jamais piou!

Eu cá em terra pus-me a chorar,
duma alegria e tristeza do canto,
e calado vislumbrei, com espanto,
que só ali ele teria seu lar.

E ele, nas noites frias de solidão,
quando colhe o céu a tristeza,
canta alegremente à nobre realeza,
sua terna e lisonjeira realização.

Enquanto fico eu perdido em terra,
ouvindo calado a linda serenata
do pássaro à noite ingrata,
que solitária e muda se encerra.

maio 28, 2009

A névoa

Paira sobre o ser a maldição,
um êxtase de dor e alegria;
Uma reencarnação tardia,
eriçada da mais negra escuridão.

Uma névoa metálica se ergueu!
(num fervor, num canto voraz)
De toda raiz pútrida e contumaz,
nasceu a paz, que já não nasceu.

As trevas se colidiram com a dor;
Uma maré de agitação se abriu,
como a um sorriso torpe, incolor!

O que não se via, jamais se viu!
Pois da névoa brotou o amor:
Amor às trevas a que tudo cobriu.

abril 26, 2009

A última viagem!

A vida se vai como um a véu,
(Que se consome no fogo terno!)
Quando na morte a mente ao céu
Sobe e a alma desce ao inferno.

E contem-se na descida o desespero;
Uns rios sobem, uns sóis descem,
Choram todos os que perecem,
Só não o pedregulho que resta intero.

Antecipa-se a partida o viajante;
Sobe ao cume mais alto do oceano!
Voa, pendendo de asas, arfante,

Para o além-mar do eu – profano!
E ri-se, num breve delírio de Dante,
Da ardente brisa em que há nadano.

abril 19, 2009

Relutância

Onde está a alma resplandecente?
O caminho sutil da brandura divina,
Que conjugou talento à nossa sina,
Fazendo-nos enfermos na mente?

Vagamos por dentre janelas,
Vislumbrando momentos de emoção,
Tristeza, alegria, dor e compaixão!
Criando vida com cores singelas...

Que é isso que chamamos inconstância?
Que espírito desolador é o nosso?
Quem é essa tristeza? Que distância?

Quem domina o pensamento vosso?
Não sei! Sou apenas ínfima relutância
Entre tudo o que pretendo e o que posso.

março 24, 2009

Criação

Sol nascente serve o anjo de luz,
Que lumia os olhos da brisa fina!
Quando na inconstância celestina,
Somos pedra, barro, coroa e cruz.

Serpentes venenosas da escuridão,
cujos venenos indenes, revigoram,
da vida acre que nas selvas afloram,
O perdão dos remidos de perdão.

Selva de pedra! Céu de maldição...
Crieis a vida com placidez!
Mata-te o ódio que em ti vês.

Sejeis ira, lamúria, rendenção!
Homem e deus, cândura e acridez,
criador, criatura, cria e criação;

março 23, 2009

Um Segundo

Quero cantar de amores a vida,
sorrir alegre o prado fecundo;
Andar por sobre terra, jacundo;
Beber lábios da sina esquecida.

Mover entre os dedos uns cabelos,
Entre os beijos os mil sabores,
nos lábios, esplendorosos amores.
No enlaçar das almas os zelos.

Prado de amores e de serenidade
ando por ti, por ti me circundo
sou tua terra, flores, vivacidade!

Viverei-me em ti o mais profundo,
Despojando-lhe por toda eternidade,
Ou apenas por um dia, um segundo.

fevereiro 25, 2009

Carnival

Desce a purpurina com o vento!
Ecoa - como desejo canibal -
a festa da carne - o carnaval -
onde o sangue canta portento.

Um gosto pueril de sofrimento,
na letra triste do triste poeta!
Que canção de protesto inquieta
Alegra o povo do seu tormento.

E como que em encantamento:
sorriso, beijo, alegria, felicidade,
compõem os versos de alento

Que percorrem - com sagacidade -
as passarelas do contentamento
Dessa inércia dessa festividade.

Putanheiro

Escarlate lume do lar tolerância,
Em que a boca peca por rejeitar-me!
Eu, que ávido de amor, fiz jurar-me
Beijar bocas que procuram distância.

Quando em minha direção caminha
Nua, co'o vento ao corpo tocar-lhe,
A luz afavelmente a apalpar-lhe...
Consumo-lha, desejando a bainha.

Com violência tomo-lha inteira,
Sinto o ódio sugar-me à greta!
Perco-me, enquanto a “guerreira”

Dá-me na boca tua lânguida teta!
E vamos nos envolvendo nesta esteira...
Eis a vida do putanheiro e da ninfeta.

janeiro 23, 2009

Rios da vida

Se em teus lábios os meus estacionam...
No vibrar dos céus, em que padeço...
Perco-me, enquanto sonhos desmoronam,
Ao mesmo tempo que alegro e entristeço.

Vago no tempo em que me anoiteço,
Da pureza dum beijo de dualidade...
Se me pego a beijar a tua mocidade
estou morto! Pois é tudo que careço.

E se me vingo da morte em teu beijar...
Meu caminho tornar-se-á sem norte,
Pois dois rios se hão de encontrar...

Mas tamanha - sina dorida - é a sorte
Que se beijo, morro pelo rio da vida...
Se não beijo, morro pelo rio da morte.

janeiro 22, 2009

Palácio da Saudade

Palácio em que perdidas almas choram,
Sob o sepulcro mádido do esquecimento.
Piso insípido de oração e sacramento,
Lágrimas frias em quentes olhos afloram.

Esculturas clássicas descrevem o fado;
Vê-se tormenta em esculpida alegoria;
Medo de quem chora, riso de quem ria,
Ouve-se a fala de quem se há calado.

Paredes pintadas de descontentamento,
Que choro não há que se faça em riso;
Poder, argúcia, ópio ou autoridade

Que purgue o palacete do tormento...
É tudo uma lágrima a cair, um aviso
De uns sorumbáticos olhos de saudade.

janeiro 09, 2009

Perdido

- "Nada dói mais que nada ter".
Isto foi o que disseste, e disse.
Se tivesses que então dividisse,
Se não, não teria o que perder.

Pobre do coração que não teve
Que não teve sempre o que ter,
Que padeceu... Sem padecer!
Retendo cores, que não reteve.

Coração, coração triste e ledo...
Tua canção é triste como tua,
Tua tormenta de solidão crua,
Tua sina de paixão e tredo!

Teu silêncio à tua glória deteve!
E à míngua chorosa do teu enredo,
Vós que disseste – quase sem medo,
Que ter é melhor, jamais teve.