outubro 31, 2008

Pequei II

Oh! Deus pequei, pequei por pecar!
Pequei. Sou pecador, sou escravo!
Escravo da minha sorte e do agravo
Que minh'alma está a devassar.

Instalou-se, como aves no horizonte,
Um desejo súbito, uma veleidade vã!
E nem esta que é a mente mais sã
Conseguiu atravessá-lo em sua fonte.

Oh! Deus pequei! Meu pecado é a dor;
Fui - dos homens - o mais inconseqüente.
Deixei-me varrer ao altar do pecador...

Lá as asas corromperam minha mente!
Sou pecador oh! Deus, pois tive amor!
Amor humano, amor pueril, amor latente.

Pequei

Oh! Deus pequei! Como hei-de pecar
Buscando e desejando o querer...
Agora Senhor vos hei prometer
livrar-me da dor e da alma o pesar.

Oh! Deus sou fraco: fala-me Senhor?
Fala-me que maré é esta a minha...
Quão minha é vida, vida sozinha!
Pequei Senhor: tenho culpa e amor.

Oh! Deus fala-me por um instante,
Fala-me que serei alvo de castigo!
Fala-me que fui o mais vil errante.

Se Vós ireis castigar-me: Vos Digo:
Castiga-me! E faça-o como a amante
Carregando, contudo, toda dor consigo.

Sei de tudo

Sei de tudo o que existe pelo mundo.
A forma, o modo, o espírito e os destinos.
Sei da vida das almas e aprofundo
O mistério dos seres pequeninos.

Sei da ciência do Espaço, sei o fundo
Da terra e os grandes mundos submarinos,
Sei o Sol, sei o Som e o elo profundo
Que há entre os passos humanos e os divinos.

Sei de todas as coisas, a teoria
Do Universo e as longínquas perspectivas
Que emergem da expressão das coisas vivas.

Sei de tudo e - oh! tristíssima irônia! -
Pelo caminho eterno por que vou,
Eu, que sei tudo, só não sei quem sou…

Raul de Leoni

outubro 28, 2008

Vida

"E ser-se novo é ter-se o Paraíso
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!" (Florbela Espanca)

(---)

Que saudade! Que vida sofrida.
Ser-se novo é ter-se o mundo
É ter-se o encanto de uma vida.

E tão logo, logo me confundo
Se vivo muito, muito vivo contente!
Se morro, não choro, sou infecundo.

- A vida é bela, diz o confitente
E sorri alegremente por descobrir
Que é também um expoente.

E a vida é um grandioso sorrir!
Uma valsa de três notas em harmônia...
Uma diz nasça, outra viva pra sentir...

A última nota é ponto. A extrema algia!
Mas só vivendo é que se aprende
A dar importância à vida, à alegria.

E chora a carola, tão mais fremente
Do que chora a criança recém-nascida
Aquela por conhecer, um incidente...

Um incidente que chamamos partida...
E esta chora, junto à mãe, por conhecer
O incidente a que chamamos vida.

Eis que o mundo...

Eis que o mundo nasce: agora!
Suas lágrimas transformam-se
Como uma lágrima que chora.
E transbordam e encontram-se
Na ilha do padecer! Que hora?
Encontram-se e colidem-se
Com a mais pura e bela aurora.
Aquelas - que por perderem-se
Vivem hoje, como viveram outrora
No nascimento da liberdade
No mundo da mais singela saudade.

Eis que o mundo nasce: Agora?
Agora! Como nasceu a beleza
No puro seio da ser, embora
Tenha sido o império da sutileza
Quem tenha herdado o que há fora
Deste sublime lume de proeza
Desta rir do tristonho caapora
Que vive a mercê da grandeza
Que neste mundo medonho e belo
Trouxe seu manto, manto amarelo.

Eis que o mundo nasce: Retumbante
Urge como passáro no vento ardente
Que voa e voa como ao andante
Que nada sem medo e latente
Neste seu terreno de ser arfante
Sobre a brisa matutina cadente.
Eis o homem, o mais nobre errante,
Houvera tornado-se humano e gente
Vivendo o mundo sempre sonhando
Vivendo eternamente cavalgando;

Eis que o mundo nasce: altivo!
E nascem as flores no asfalto
Pensamentos sem nenhum crivo.
Nasce o sol no cume, no alto
No sonho do desejoso primitivo
Que voa elevando-se absolto
À maresia de humano cativo
Quando de vida é envolto...
Eis que o mundo nasce: Brilhante!
Nascido da alma do nobre vagante;

O errante

Noite que me cobre a sandice.
Diga o que disser, não te escuto
Sou um mago forte, às vezes puto.
Fique você no seu luto, seu disse.

Sou eu menos quieto com palavras
Fala e ouço, sou bravo, sou moço
E vivo na calada, no alvoroço
Procurando a vida nestas quadras;

Quero emudecer, como um surdo
Que não fala por não ouvir
mas que vontade, pude presumir,
tem, e quer falar como dessurdo.

Sou antiquado, sou errante
Sou meu passado corrompido
Sou psicologo, sou cupido
E posso ser também falante.

Sou o que há de nostalgia
Sou tristeza, sou felicidade
Sou altruista e maldade
Para as donzelas da saudade.

E quando na noite me perco
Entre as dunas da magia
Entres conversa e alegria
É ali que está meu cerco.

Quero estar onde ninguém
ou Todo mundo, já esteve
Num esquecido parasceve¹
Onde liam camões com desdém.

E lá que me preparo, óh donzela!
Oh! donzela de escuridão e beleza
É lá que leva meu sonho e tristeza
Na noite solar, na tinta de urzela².

No fim, não sou nada e nada temo
Sou um menino-homem, sou acridão!
E quando falo, sou muito falastrão
E meus pensamentos vão ao gonzemo³.

**1 (sexta-feira santa para os judeus)
**2 (tipo de liquem usado para fazer tinta)
**3 (altar do templo no candomblé angola-congo)

Conjugando...

Quero conjugar o verbo amar.
Quem ama não se esconde
Não foge aqui ou adonde
Fica o castelo do esperar;

Quero conjugar o verbo amar
Conjugá-lo-ei no presente perfeito
Neste que nasceu dentro do peito
No mais puro e doce dia circular.

Quero conjugar o verbo amar...
Quero amar, amando em calma.
Superando as nuances da alma

Quero apenas meu amor superar.
Assim se me amas peço-lhe fala...
Se não ama engole e te cala.

Nos longos dias de solidão

Nos longos dias de solidão.
Abaixo a cabeça e penso
Logo rio, e acendo incenso
Para espantar este cão.

Nos longos dias de solidão
Minha natureza ecoa sombria
Como a triste tristeza fria
Que cai da cama da ilusão.

Nos longos dias de solidão
Sou eu e eu mesmo na rua
Sou eu na natureza crua
E quero estar só na escuridão.

Nos longos dias de solidão
Penso no mundo exterior
E na paz que hábita o interior
Penso e penso e digo não.

Nos longos dias de solidão
Eu não a quero, não desejo
Cuspo na boca que beijo
Para demonstrar ingratidão.

Nos longos dias de solidão
Maltrato-a, a ela, como faz
ela comigo, quando ela traz
Consigo sua vil maldição.

Nos longos dias de solidão
Eu desperto para o mundo
Sou anjo, sou vagabundo
Sou intrigado e sou truão.

Nos longos dias de solidão
Me falta a chuva de primavera
Aquela que agôa aquela era
De drama, medo e traição.

Nos longos dias de solidão
Sou eu quem faz o roteiro
Dirigo o filme, sou porteiro
Desta casa de imensidão.

Nos longos dias de solidão
Abraço o primeiro que ver
Não importa cheiro, nem querer
mas o sentimento de gratidão.

Nos longos dias de solidão...
Eu grito com o mundo e choro
Desespero e também imploro
Para que me venha um vozeirão.

Nos longos dias de solidão...
Eu sai e não me deixo estar
Neste sentimento de pesar
Que abate todo o coração.

Nos tortuosos dias de solidão
Eu ligo o rádio e triste canto
Para espantar o que espanto
Para sorrir feliz depois do trovão.

Reconstrução

Uma reconstrução é uma obra delicada...
Constrói-se o que já foi um dia construído
Restaura-se. Corrigi-se. O todo, o esquecido.
Uma reconstrução é uma obra, uma jornada.

Uma reconstrução carece de amor e respeito
Carece mais de compreensão com a identidade...
Para conseguirmos reconstituir toda a saudade
Que ficou naquele passado guardada no peito.

Uma reconstrução é obra árdua, é reconstrução...
E depende, muito mais, do nosso profundo querer
Que apenas e simplismente da necessidade.
E principalmente da ajuda dos que nos dão a mão.

Uma reconstrução dá ao edifícil nova vida, novo amor!
É por isso que quando a fazemos com devoção
Com parcerias, com ajudantes e com muita paixão
Não há futuro que derrube o que se eriçou com ardor.

Uma reconstrução é obra-prima. É alma, é graça...
Pois nela há o que há de mais precioso no reconstrutor!
Há um pedaço do coração que queima em calor
Por dar sopro ao que um dia perdeu-se pela caça.

Uma reconstrução é o conjunto de verbos do carinho
É um querer mais que estar sozinho, é uma vidraça
que se quebrou, uma porta que no tempo se despedaça
É uma nova vida, uma obra nova... Um novo ninho.

outubro 27, 2008

Novo beijo

Agora que curaste teu coração!
Me perco, choro e entristeço,
Se antes sentia, agora aborreço,
Cedendo ao tormento da omissão.

E quão breve lhe atrever a seta
Ultrapassar os antigos ferimentos.
Antes partirão vossos tormentos
Antes minha alma estará inquieta.

Quando se-lhe for nova a ventura,
Novo será o tormento, o desejo
Novo será o carinho, a ternura...

Apresentar-se-á moço o arquejo
De consquistar, com bravura,
Novo amor, nova boca, novo beijo.

outubro 19, 2008

Constante

Oh! céu da mais pura inconstância,
Que fazes tu nesta terra penosa...
Porquê brilhas como lua preciosa,
Se sua sina é escrita na acrimância?

Porquê não choras como criança?
Chora como quem quer ser feliz?
Chora pelo amor ardente e aboiz,
Pelo bem-querer, pela esperança?

Sinto vossa dor, oh! céu glorioso.
Sinto sua constante inconstância.
Esse sentimento desarmonioso,

Quando está presente em abundância...
Sei que sofres e se sente choroso,
Lembrando teu choro de infância.

outubro 16, 2008

Pelo vento

Quando o tempo é só inspiração,
Faço das minhas palavras vento
Para soprar, aquele sopro bento,
Que levará meu beijo a vossa mão.

E neste beijo, que é feito
Na noite serenosa e calma...
Que sai da boca e da alma,
Há todo meu amor e respeito.

Neste beijo vai a toda paixão
Doce e terna, do amante esquecido.
O amor em lábios de pura devoção...

E quando os lábios do vento perdido,
Já houver tocado vossa linda mão
Estarei louco e pelo amor ferido.

outubro 01, 2008

Quando vos puderdes dispor

Quando vos puderdes dispor,
Com sorriso breve de alteza,
O interior de vossa beleza:
De nada terás medo e temor!

Quando vos puderdes dispor,
Com justa e rica vontade,
Daquela simplória liberdade:
Saberás quem lhe tem amor.

Quando vos puderdes dispor,
Apenas por pura disposição,
De toda vossa qualificação:

Sentir-se-á pronta ao calor,
Que exala de vossa paixão...
Das pétalas de vosso pudor.

Toda minha saudade

Acordei hoje triste e choroso...
Pensei em teus olhos profundos,
Neles lembrei de meus mundos...
Onde não hei sintir-me nervoso.

Lembrei-me de teus lábios de flor,
Adulcicados pelo orvalho da beleza
Nutridos pelo fervor de uma grandeza
Que só vossa boca linda sabe dispor.

Em tua voz lembrei toda verdade,
Lembrei do vazio e da ilusão...
Da distância do vosso perdão...

Lembrei do sorriso de liberdade
Onde encontrei toda minha paixão
Onde deixei toda a minha saudade.

Hoje não usarei versos

Hoje não versos usarei,
falerei com redundância...
De mares da infância
De reinos que já herdei.

De mundos perdidos,
De reinos sem iluminação,
Dos planos de salomão
Da infância dos esquecidos.

Hoje verso não quero usar!
Quero flores e vinho tinto,
Abraçar só por abraçar,

Comer da linda noite o bem,
E mastigar o que eu pinto...
Pintando amores a alguém.