agosto 14, 2015

Ausência

[Prólogo]
Na ausência de óculos e luva,
Rabisco o sol e a lua traço...
Enquanto papéis amasso,
Ouço o céu de cor bucuva.

É o todo um pensamento
Que de neve se faz fogo
Do entusiasmo se faz rogo
Do sopro frio se faz vento.

E quanto maior o tormento,
Maior é o desejo de prisão,
Pois estar-se perto é maldição
E estar-se longe é perdimento.

Bastaria ser flor e orvalho!
Beijar a mesma escuridão...
Cair desvairado em tentação...
E ser-se perfeito e falho.

Pois prazer maior no mundo
Não há, que o de vê-la!
Beijá-la, possuí-la, tê-la...
Ser-se dela o rei e o moribundo.

Até seria um conto passageiro
De amor, ódio, comédia ou drama.
Com pássaros, rios e muita lama...
Se não houve no céu cheiro.

[Lira I]
E à sombra dum grande coqueiro,
Enquanto brilha o sol ao norte,
Forja um estratagema à sorte...
Com setas escarlates, o arqueiro.

- A sorte é instável e leviana,
E disso se sabe quem a desfruta!
Muda de forma repentina e bruta
Como nos desertos a cruviana.

Dizia o arqueiro sorridente e ledo!
Preparando a temerária quimera!
E na ponta de sua flecha esfera
Tratou de consumar o fim do enredo...

- E como todo sonhador é louco!
Dizia novamente, já sem sorrir.
- Farei da minha seta um gênio
Quem acertado for terá prêmio
Que em tamanho se faz em pouco,
E não há louro, negro ou rouco,
Que à minha graça poderá resistir
Pois, o pouco da seta fará sentir
O amor de uma alguém que decidir.

O arqueiro atirou, então, a seta
Que rodou sem norte o mundo,
Procurando o Rei ou moribundo
Que seria seu abrigo, sua meta.

- Que a sorte encontre o merecedor!
Dizia, enquanto a seta voava...
Seu sorriso ao rosto, então, voltava
Pois já estava em tempo de amor.

A seta um peito desolado encontrou.
Plantou-se nele e a ele deu prêmio...
E como se esperava de um gênio...
Sumiu logo após o desejo que realizou.

(Lira II)
Encontrei-me, então, com o amor...
A brisa doce do verão quente soava
O sol sorria, a lua dançava...
Os lábios unidos queimavam em ardor.

(canto)
E no auge da alegria,
O céu mudou de cor
Não era noite nem dia...
Não era paixão, nem amor.

Enquanto tudo em maravilha fazia!
Despojava da sorte concebida,
Bebia da noite, comia da vida
Era tudo em nada, luz que Luzia.

(canto)
E no auge da alegria,
O céu mudou de cor
Não era noite, nem dia...
Não era paixão, nem amor.

- Sonha que quem vive divaga.
Vive para além da imaginação...
Constrói o céu e a constelação,
Dentro de sua própria saga!

(canto)
E no auge da alegria,
O céu mudou de cor
Não era noite, nem dia...
Não era paixão, nem amor.

- Sonha com a vida e o amor!
Ou apenas sonhe me dizia!
Ferido, racionalidade não via.
Entreguei-me ao sonho encantador.

(canto)
E no auge da alegria,
O céu mudou de cor
Não era noite, nem dia...
Não era paixão, nem amor.

Senti nos lábios um doce sabor.
Um frio na barriga carreguei...
- Estou sonhando? Eu sonhei?
Era a realidade já sem cor.

(canto)
E no auge da alegria,
O céu mudou de cor
Não era noite, nem dia...
Não era paixão, nem amor.

Com medo nos olhos e dor,
Procurei a seta, num vasto prado
Procurei, por dias, sem achado.
Nada existia, nenhum sabor.

(canto)
E no auge da alegria,
O céu mudou de cor
Não era noite, nem dia...
Não era paixão, nem amor.

O sol ainda brilhava forte,
Um vento fresco o céu varria
A terra gélida a mim sorria
As nuvens no azul faziam corte.

(canto)
E no auge da alegria,
O céu mudou de cor
Não era noite, nem dia...
Não era paixão, nem amor.

Não mais havia ferimento,
Havia apenas uma sensação
De esgotamento, de ilusão
De dor e de esquecimento.

---

No auge do esgotamento,
O arqueiro se fez presente
Recitou a mim, todo contente,
A inexistência de sentimento.

O sol ainda pairava no ar
Havia espetáculo estranho,
O arqueiro tomava banho
No meu desejo de amar.

Ao ouvi-lo sozinho cantar
Caí em profunda tristeza!
Pois com muita destreza
Cantava o que estava a sonhar.

- A amada de ninguém, amou!
Amou como ninguém, alguém!
E alguém, ninguém sabe quem!
Dos braços dele tomou!

Algrava-se do descontentamento!
O arqueiro fazia riso da dor
Das lágrimas, vinho de sabor,
Para comemorar o sofrimento.

Por fim, o arqueiro finalizou:
- A amada ninguém ama ou têm!
Quer amar? Ame a alguém
Que tu não amas ou amou.

O prêmio havia sido dado!
O arqueiro me deu a mão
Entendi do amor o significado,
E da amargura comi o pão...

Lembrei-me, então, do meu fado!
Donde me deixei por tempo esquecer
Apeteci-me de mim, por apetecer.
Encontrei-me onde me havia deixado.

Acabou-se o sonho, se foi o amor!
O arqueiro ledo - sem desdenhar -
Comigo - no prado - fez partilhar
Um verso último de tristeza e dor.

- No mundo não há o que não acabe!
Acaba-se tudo, tudo se acaba.
Hoje o que foi tudo é amanhã nada!
E o que tudo acaba, amanhã cabe.

- Não há que se lamentar pelo acabado!
Tudo se reforma e se renova... Renasce!
E mesmo que tudo no mundo acabasse,
Haveríamos de deixar tudo restaurado.

- Pode até acontecer de perder um amor!
Eu que já tanto uni, sei das desuniões,
Sei dos medos, das amarguras e aflições...
Que causam no coração a mais pura dor.

- E assim como todo o resto no mundo,
O amor se restaura e renasce no coração!
Brota sem dificuldade, sem razão.
Pois é dos sentimentos o mais fecundo.

O arqueiro se foi, e consigo a seta!
Deixou-me na companhia da razão!
E estando só, cumprindo a nova meta...
Esqueci-me do mundo, da nova ilusão...
Deitado ao pé da grande garuva
Ouvindo um tilintar no chão...
Acordei dum sonho, pelo trovão...
Não havia amor, não havia luva.
Não houveram beijos, nem paixão...
Não houve mundo ou ilusão!


Não existiu sol, apenas chuva.

~07/05/2012

A dança

Vejo assentos vazios na estação,
e o silêncio reverberando dos cantos!
Em todos olhos vejo tímidos prantos,
em todas faces vejo só lamentação.

Passam-se vagões, vários e tantos...
Ouço o ferro em brasa fervilhar,
Sinto o vento quente a deslizar...
Vejo os altares, mas não os santos.

Sento-me, e sinto perder a esperança!
Vão-se vagões, e outros estão a chegar,
continuo admirando a pobre e meiga dança,

dos vagões que vão e dos deixam-se ficar,
porém nenhum deles se me alcança...
pois meus olhos não vêm ninguém desembarcar.

~28/12/2009

Preces

Tudo quanto há está obscuro,
inconstante e intransponível.
A vida é vaga, e vaga sensível
no oco desse mundo impuro.

É tudo, enquanto inconstante,
sem preço e sem piedade!
É intransponível vaidade,
que de branda é queimante!

O tempo corre desconcertante,
atropelando os pés cansados,
do que caminha, triunfante,

sobre as brasas dos passados
que cantaram a cada instante
os vigores jamais gozados.

~06/10/2010

No meu quarto...

Na escuridão do meu quarto,
eu liberto o meu eu-calado!
Falo para Galileu que a terra
ainda é Quadrada.
Dou risada da desgraça alheia,
sem medo dos que de mim riem.
Admiro o piso sujo e mal-acabado,
vejo os insetos através do buraco
da janela. Vejo o mundo através dela.

Na solidão do meu quarto,
digo aos mortos que ninguém
pode entender os vivos.
Digo que ninguém mais vive!
Respeito o isolamento alheio,
respiro fundo, grito, serpenteio.
Invento poemas ao nada,
faço viagens na imaginação,
interpreto um homem são!

No abstrato do meu quarto,
eu sou algoz, sou infinito, sou...
sou truão!
Uso termos desconhecidos,
faço versos às formigas,
investigo mortes não havidas,
mastigo as minhas feridas!
Remonto quebra-cabeças,
que jamais tiveram peças!

No interior que é o meu quarto,
sou malabarista das minhas vitórias!
Faço cores com derrotas,
e pinto o mundo com minhas botas.
Escrevo na claridade sobre o dia,
vejo pássaros sem asas voarem,
faço amizade com as baratas,
e me enclausuro no contar da hora!
Lá sou tudo que não sou aqui fora.

~18/10/2011

fevereiro 24, 2015

Céu-Inferno

Vejo-te longe, e incompleto estou.
Julgo-me insensível, perecível,
sem cantos, sem prantos, risível,
amargando fel do que se esgotou.

Todo o pranto que me governa,
constitui em mim assaz desalento,
pois se distancio do tormento,
perco de vista a minha lanterna.

Se vejo-te perto, sinto-me deserto.
Eis que meu fado descontente,
é pospor meu sentimento latente,

reconhecendo, quiçá boquiaberto,
que viverei a dualidade cadente
desse céu-inferno demais incerto.

setembro 24, 2014

Devir

Quem dirá adeus aos velhos hábitos,
e se norteará por vales sombrios?
Quem fará da mente lagos e rios,
em que correrão novos espíritos?

Quem dirá adeus às velhas convenções
enquanto engole todas as mundanidades?
Quem dará os ombros às verdades,
e não se esconderá das desilusões?

Há quem espere a decrepitude
de uma vida bucólica e senil.
O ofuscar dos dentes, a vicissitude,

o palácio de um mundo vazio.
Há quem não queira apenas existir,
queira o viver, queira o devir.

dezembro 06, 2012

Indelével

Sozinha estivera sentada no balanço,
esperava compreender a existência.
O que era realmente isso de essência?
Só ouvira o grasnar do ganso.

Era adulta - isso realmente importa?-,
mas se sentia como uma sutil infante.
Gostava de pular corda e ver elefante.
Brincar de ciranda e comer torta.

Era do balanço que ela gostava!
Embora fosse demasiado incerto.
Enquanto ela na solidão balançava,

da sua própria existência afastava,
e percebia que uma flor no deserto,
não existia, simplesmente cativava!

novembro 08, 2012

A flor


Oh! Terra infrutífera, reino acabado.
Tolhera de mim a flor do meu peito,
Desde então me hei sempre desajeitado,
Curando-me do mundo em meu leito.

Que há neste túmulo de solidão?
Outrora ardia em viva chama ardente,
Agora é frio, é pedra, é ilusão,
Agora é racional, é medo, é prudente.

Quem haverá de acreditar na lealdade,
Que constrói um reino e o leva ao chão?
Hei aprender que - no romper da ingenuidade -

Amor é sutiliza que não conhece ilusão,
E só quem amar com profunda verdade,
Sentirá florescer a flor do coração!

setembro 10, 2012

Poeta

[Eu]
não nasci poeta.
Nem é o poema uma
clareira.
O poeta é
um velejador,
e velador
o poema.

agosto 20, 2012

Da noite que vai embora num trago

Acendo um cigarro, e com rancor o trago,
Trago também o mistério da escuridão.
Solidão que brota de meu perdido afago...
Apago tudo, tudo afago, toda perdição.

Outra noite, ou apenas outra desilusão;
Quão eterna é a escuridão da eternidade,
saudade, saudade, saudade: saudação
coração escuro sob lúgubre claridade.

São as luzes da cidade: noite e ausência.
Aquiescência que move a neutra visão:
Oração é? É pensamento, é demência?

Ausência, ausência, ausência: é escuridão.
Ilusão de uma noite quente. Paciência!
Leniência à noite perdida na solidão!

abril 24, 2012

Fascínio


Há algo nela que me é fascinante,
Talvez os olhos, talvez os olhares,
Quem sabe o sorriso de mil pomares,
Quem sabe o pensar no distante.

Fascina-me o jeito de andar que possui,
E os lábios que provocam explosões,
O modo como fala de suas canções,
E o ser carinhoso em que constitui.

Fascina-me o beijo morno do lábio quente,
E as provocações que tão bem sabe fazer;
Fascina-me os trejeitos de mulher irreverente,

As curvas sinuosas que meus olhos sabem ler;
Fascina-me a inocência de menina contente,
Que presente faz o meu peito acelerado bater.

Nada

Que olhos são estes os teus perturbadores,
Pecaminosos, incompletos e sem devoção.
São olhos de quem sempre perde razão,
Olhos de quem não vê o mundo de cores.

Tua vista é rasa, sem nenhum prendimento,
Aterrissa na cova d’um mundo ilusório;
Olhos de quem não vê, não faz repositório
Da beleza profícua do ímpar contentamento.

Teu mundo é parco, tua lua é minguada,
Teus dias é remar contra a desilusão,
E buscar nos espinhos alguma satisfação,

Para a dor que em teu peito encontra morada.
Contudo teus olhos não lhe mostram direção,
Pois tudo o que vê é o tudo do seu nada.

Solidão

Ferina solidão, desoladora e temida,
Encontrei-lha em momento propício,
Pois minh’alma clamava o hospício,
D’um viver contente sem ter vida.

Em teu fértil terreno do ensimesmar,
Encontrei-me em águas revoltosas,
Que viagens melhores e mais perigosas,
Jamais encontraria noutro lugar.

Solidão és tu minha sectária fiel,
Em que encontro calma e devastação,
Onde me tomo de loucura e fel,

Onde, nas profundezas da emoção,
Encontro o puro néctar de mim, o puro mel,
Que as abelhas do engenho cultivarão.

abril 16, 2012

Soneto da Aproximação

Deixe-me nos vales da solidão
valorando-me tal qual um vintém.
Passava eu em meio a multidão,
sem perceber nada, nem ninguém.

Estivera eu quieto em meu canto
lendo poemas e Chopin assoviando.
Afogando minha nostalgia e pranto
nos pecados que me iam quebrando.

Tranquei-me na cave do engenho,
certo de que a emoção não sorriria.
Mil enganos da minha engenharia,

pois quanto maior meu empenho
em afastar-me do que não queria,
maior meu desejo no que desdenho.

abril 10, 2012

A pensão

No fim da rua treze, perto do rio,
havia uma pensão, que era do tio...,
que recebia pobre, rico, moribundo
a porta sempre espreitava o mundo.

Tudo se via ali, só não alcoolemia.
Ainda assim todo mundo que ali vivia,
tinha consigo um quê de distração...
Taciturnidade era proibida, ali não.

Só havia uma regra em toda a pensão:
Respeitar como quereis ser respeitado!
A frase sempre ressoava pelo saguão...
E todos respeitavam, só não o Coitado.

Foi pego. Seu crime não teve perdão.
Em sua defesa, crime de amor jurava.
Ainda assim teve sua terrível punição:
Cegar-se e emudecer-se a quem amava.