agosto 14, 2015

A dança

Vejo assentos vazios na estação,
e o silêncio reverberando dos cantos!
Em todos olhos vejo tímidos prantos,
em todas faces vejo só lamentação.

Passam-se vagões, vários e tantos...
Ouço o ferro em brasa fervilhar,
Sinto o vento quente a deslizar...
Vejo os altares, mas não os santos.

Sento-me, e sinto perder a esperança!
Vão-se vagões, e outros estão a chegar,
continuo admirando a pobre e meiga dança,

dos vagões que vão e dos deixam-se ficar,
porém nenhum deles se me alcança...
pois meus olhos não vêm ninguém desembarcar.

~28/12/2009

Preces

Tudo quanto há está obscuro,
inconstante e intransponível.
A vida é vaga, e vaga sensível
no oco desse mundo impuro.

É tudo, enquanto inconstante,
sem preço e sem piedade!
É intransponível vaidade,
que de branda é queimante!

O tempo corre desconcertante,
atropelando os pés cansados,
do que caminha, triunfante,

sobre as brasas dos passados
que cantaram a cada instante
os vigores jamais gozados.

~06/10/2010

No meu quarto...

Na escuridão do meu quarto,
eu liberto o meu eu-calado!
Falo para Galileu que a terra
ainda é Quadrada.
Dou risada da desgraça alheia,
sem medo dos que de mim riem.
Admiro o piso sujo e mal-acabado,
vejo os insetos através do buraco
da janela. Vejo o mundo através dela.

Na solidão do meu quarto,
digo aos mortos que ninguém
pode entender os vivos.
Digo que ninguém mais vive!
Respeito o isolamento alheio,
respiro fundo, grito, serpenteio.
Invento poemas ao nada,
faço viagens na imaginação,
interpreto um homem são!

No abstrato do meu quarto,
eu sou algoz, sou infinito, sou...
sou truão!
Uso termos desconhecidos,
faço versos às formigas,
investigo mortes não havidas,
mastigo as minhas feridas!
Remonto quebra-cabeças,
que jamais tiveram peças!

No interior que é o meu quarto,
sou malabarista das minhas vitórias!
Faço cores com derrotas,
e pinto o mundo com minhas botas.
Escrevo na claridade sobre o dia,
vejo pássaros sem asas voarem,
faço amizade com as baratas,
e me enclausuro no contar da hora!
Lá sou tudo que não sou aqui fora.

~18/10/2011

fevereiro 24, 2015

Céu-Inferno

Vejo-te longe, e incompleto estou.
Julgo-me insensível, perecível,
sem cantos, sem prantos, risível,
amargando fel do que se esgotou.

Todo o pranto que me governa,
constitui em mim assaz desalento,
pois se distancio do tormento,
perco de vista a minha lanterna.

Se vejo-te perto, sinto-me deserto.
Eis que meu fado descontente,
é pospor meu sentimento latente,

reconhecendo, quiçá boquiaberto,
que viverei a dualidade cadente
desse céu-inferno demais incerto.

setembro 24, 2014

Devir

Quem dirá adeus aos velhos hábitos,
e se norteará por vales sombrios?
Quem fará da mente lagos e rios,
em que correrão novos espíritos?

Quem dirá adeus às velhas convenções
enquanto engole todas as mundanidades?
Quem dará os ombros às verdades,
e não se esconderá das desilusões?

Há quem espere a decrepitude
de uma vida bucólica e senil.
O ofuscar dos dentes, a vicissitude,

o palácio de um mundo vazio.
Há quem não queira apenas existir,
queira o viver, queira o devir.

dezembro 06, 2012

Indelével

Sozinha estivera sentada no balanço,
esperava compreender a existência.
O que era realmente isso de essência?
Só ouvira o grasnar do ganso.

Era adulta - isso realmente importa?-,
mas se sentia como uma sutil infante.
Gostava de pular corda e ver elefante.
Brincar de ciranda e comer torta.

Era do balanço que ela gostava!
Embora fosse demasiado incerto.
Enquanto ela na solidão balançava,

da sua própria existência afastava,
e percebia que uma flor no deserto,
não existia, simplesmente cativava!

novembro 08, 2012

A flor


Oh! Terra infrutífera, reino acabado.
Tolhera de mim a flor do meu peito,
Desde então me hei sempre desajeitado,
Curando-me do mundo em meu leito.

Que há neste túmulo de solidão?
Outrora ardia em viva chama ardente,
Agora é frio, é pedra, é ilusão,
Agora é racional, é medo, é prudente.

Quem haverá de acreditar na lealdade,
Que constrói um reino e o leva ao chão?
Hei aprender que - no romper da ingenuidade -

Amor é sutiliza que não conhece ilusão,
E só quem amar com profunda verdade,
Sentirá florescer a flor do coração!

setembro 10, 2012

Poeta

[Eu]
não nasci poeta.
Nem é o poema uma
clareira.
O poeta é
um velejador,
e velador
o poema.

agosto 20, 2012

Da noite que vai embora num trago

Acendo um cigarro, e com rancor o trago,
Trago também o mistério da escuridão.
Solidão que brota de meu perdido afago...
Apago tudo, tudo afago, toda perdição.

Outra noite, ou apenas outra desilusão;
Quão eterna é a escuridão da eternidade,
saudade, saudade, saudade: saudação
coração escuro sob lúgubre claridade.

São as luzes da cidade: noite e ausência.
Aquiescência que move a neutra visão:
Oração é? É pensamento, é demência?

Ausência, ausência, ausência: é escuridão.
Ilusão de uma noite quente. Paciência!
Leniência à noite perdida na solidão!

abril 24, 2012

Fascínio


Há algo nela que me é fascinante,
Talvez os olhos, talvez os olhares,
Quem sabe o sorriso de mil pomares,
Quem sabe o pensar no distante.

Fascina-me o jeito de andar que possui,
E os lábios que provocam explosões,
O modo como fala de suas canções,
E o ser carinhoso em que constitui.

Fascina-me o beijo morno do lábio quente,
E as provocações que tão bem sabe fazer;
Fascina-me os trejeitos de mulher irreverente,

As curvas sinuosas que meus olhos sabem ler;
Fascina-me a inocência de menina contente,
Que presente faz o meu peito acelerado bater.

Nada

Que olhos são estes os teus perturbadores,
Pecaminosos, incompletos e sem devoção.
São olhos de quem sempre perde razão,
Olhos de quem não vê o mundo de cores.

Tua vista é rasa, sem nenhum prendimento,
Aterrissa na cova d’um mundo ilusório;
Olhos de quem não vê, não faz repositório
Da beleza profícua do ímpar contentamento.

Teu mundo é parco, tua lua é minguada,
Teus dias é remar contra a desilusão,
E buscar nos espinhos alguma satisfação,

Para a dor que em teu peito encontra morada.
Contudo teus olhos não lhe mostram direção,
Pois tudo o que vê é o tudo do seu nada.

Solidão

Ferina solidão, desoladora e temida,
Encontrei-lha em momento propício,
Pois minh’alma clamava o hospício,
D’um viver contente sem ter vida.

Em teu fértil terreno do ensimesmar,
Encontrei-me em águas revoltosas,
Que viagens melhores e mais perigosas,
Jamais encontraria noutro lugar.

Solidão és tu minha sectária fiel,
Em que encontro calma e devastação,
Onde me tomo de loucura e fel,

Onde, nas profundezas da emoção,
Encontro o puro néctar de mim, o puro mel,
Que as abelhas do engenho cultivarão.

abril 16, 2012

Soneto da Aproximação

Deixe-me nos vales da solidão
valorando-me tal qual um vintém.
Passava eu em meio a multidão,
sem perceber nada, nem ninguém.

Estivera eu quieto em meu canto
lendo poemas e Chopin assoviando.
Afogando minha nostalgia e pranto
nos pecados que me iam quebrando.

Tranquei-me na cave do engenho,
certo de que a emoção não sorriria.
Mil enganos da minha engenharia,

pois quanto maior meu empenho
em afastar-me do que não queria,
maior meu desejo no que desdenho.

abril 10, 2012

A pensão

No fim da rua treze, perto do rio,
havia uma pensão, que era do tio...,
que recebia pobre, rico, moribundo
a porta sempre espreitava o mundo.

Tudo se via ali, só não alcoolemia.
Ainda assim todo mundo que ali vivia,
tinha consigo um quê de distração...
Taciturnidade era proibida, ali não.

Só havia uma regra em toda a pensão:
Respeitar como quereis ser respeitado!
A frase sempre ressoava pelo saguão...
E todos respeitavam, só não o Coitado.

Foi pego. Seu crime não teve perdão.
Em sua defesa, crime de amor jurava.
Ainda assim teve sua terrível punição:
Cegar-se e emudecer-se a quem amava.

março 14, 2012

Vaidade

Desboto em minha ignóbil vaidade,
propenso ao mal que me venera.
Vaidade, minh'alma calma te espera,
eu, entretanto, não sinto saudade.

Enquanto tudo em mim te clama,
meu engenho, pueril e confuso,
fecha-se em si, e deixa obtuso
todo pensamento, toda chama.

Por que simplesmente não me toma?
Não emerge em meus complexos ufanos,
corroendo toda virtude que me soma?

Ou não deixa-me na paz dos enganos?
Vaidade, esse mal que me carcoma
é teu, como são teus os meus anos.